DAS COISAS QUE SE ESPERAM
E A PROVA DAS COISAS QUE NÃO SE VÊEM

Sebastião Almeida

Tudo, todos, totalmente. Assim pode ser entendido, numa tradução livre do Latim, o título escolhido para OMNIS, o primeiro projecto colectivo da NARRATIVA, em que cinco dos seus membros fundadores apresentam visões distintas, mas complementares, sobre como a fotografia se relaciona com a religião, tendo como cenário exploratório a Jornada Mundial da Juventude, que se realizou em Lisboa, entre 1 e 6 de Agosto de 2023.

Num exercício contemplativo complexo, que ora exala sátira e ironia mas também denota a comoção e a empatia vividas durante aqueles dias soalheiros de Agosto, Inês Ventura, Maria Beatriz de Vilhena, Rodrigo Vargas, Francisco Romão Pereira e Mário Cruz imiscuem-se entre os milhões de participantes deste evento inédito em Portugal e ousam pôr em perspectiva, o que simboliza o universo da Igreja nos seus imaginários.

Multidões atabalhoadas a perder de vista no que pode ser descrito como um êxodo de proporções bíblicas; os despojos que ficam para trás depois de seis dias de intensa partilha de fé; os registos de cenas mundanas que se confundem com planos-sequência contemplativos do cinema – as imagens dispostas nas páginas deste caderno são o produto final de um exercício de observação sobre um evento que reúne milhões de pessoas em torno de uma crença e de uma fidelidade que não são palpáveis, mensuráveis ou tão pouco materializáveis.

OMNIS elabora um olhar contundente sobre o lado oculto da Igreja, sobre as suas portas entreabertas e as que permanecem fechadas, sobre as suas polémicas, mas também sobre o seu poder na sociedade ocidental. O que é a fé? Como se materializa? O que é a prática autoral? Estas são questões com que os autores se deparam, mas para as quais pretendem apenas dotar o leitor de pequenas pistas visuais, susceptíveis das mais variadas interpretações.

Tal como a fé comum aos milhões de crentes que acorrem a Lisboa para a Jornada Mundial da Juventude, os cinco autores partilham uma prática fotográfica regida por códigos colectivos que, de forma despojada, pode ser análoga ao que une os crentes em torno da religião. Cada indivíduo tem uma forma de se relacionar com ela e de pôr em prática a sua fé. O mesmo ocorre com a visão autoral dos fotógrafos aqui representados: cada um recria uma realidade sujeita a inúmeras leituras. Tudo, todos estão aptos a observar e a reflectir.

OMNIS esteve exposto na galeria da Narrativa. Foi também a primeira vez que a Narrativa publicou em nome próprio um caderno que condensa os trabalhos apresentados na galeria. O caderno, limitado a 100 exemplares, encontra-se esgotado mas pode ser consultado na biblioteca Narrativa.